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As lanchas do canal

 

Estão a terminar seus dias, no cais da Madalena, as lanchas Espalamaca e a Calheta.

A primeira teve inicialmente o nome de Maria Lígia e pertenceu ao industrial José Furtado Cardoso que na Horta era agente da “Fabre Line”, cujos navios, como o “Sinaia”, ali aportavam depois da primeira Guerra Mundial.

Era uma lancha de dois motores e duas casas, com a roda de leme ao centro. Estou a vê-la, no princípio da década de trinta, antes da crise que provocou a falência de alguns Bancos açorianos, entrar na Baía de Angra, onde já se encontrava ancorado o “Lima” numa das suas viagens Lisboa-Açores, para receber o respectivo proprietário e o conduzir à Horta, evitando a maçada de andar dois dias pelos portos das ilhas do grupo central. Depois foi adquirida pela empresa das Lanchas do Pico e  posta ao serviço no Canal.

A “Calheta” foi manda construir  em 1925 pela Empresa Calhetense de Navegação e Pescas, Lda. da Calheta de Nesquim, para fazer a ligação semanal, mas no verão somente, entre O Pico e as Ilhas Terceira, S. Jorge, e Faial.  Foi a primeira embarcação motorizada, mesmo antes do “Ribeirense” e do “Andorinha” a viajar  pelas ilhas. Que bons serviço prestou à população, que até ali somente utilizava os barcos da Insulana, de quinze em quinze dias, ou, no verão, os iates do Pico. Depois foi vendida em 1931 para um armador da Horta, e, no ano seguinte,  para a empresa de José Lourenço, que explorava as carreiras do Canal, e por lá ficou, continuando com a denominação inicial. Lancha de óptima construção, segura na navegação, era uma das melhores que esteve ao serviço dos que atravessavam o canal Faial-Pico diariamente. Nela naveguei, por volta de 1930,  da Terceira para o Pico. Uma viagem que não mais esqueci.

O historiador Amílcar Quaresma, falecido tão precocemente,  ainda a tempo publicou um notável trabalho histórico, que denominou “Maresias”,  sobre as embarcações que viajaram entre estas ilhas. Ao prefaciar o trabalho, escreve o professor Ruben Rodrigues:
“Amílcar Goulart Quaresma – o investigador, o carreador de acervo foto documentário, em suma, o autor de “Maresias” – diligenciou nos caminhos da história, os factos, as vivências, os actos de bravura e as lágrimas vertidas por um povo que, teimosamente, ficou, com as mãos calejadas, a âncora do seu enfunado Pico e se lançou mar fora, demonstrando a tenacidade e a força vulcânica do seu sangue “guerreiro”, capaz de mover a Montanha.”

“Maresias” é, concerteza, o canto de cisne das lanchas do Canal, que estão a desfazer-se no cais da   Madalena. E é pena, pois trata-se de uma página da heróica história marítima destas duas ilhas que ingloriamente desaparece. Ainda bem que  o historiador Amílcar Goulart Quaresma escreveu, a tempo, o excelente trabalho “Maresias”.

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